Atingiu-se um novo recorde nas avaliações imobiliárias para crédito à habitação em Portugal (valor mediano de 1331 euros/m2, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística – INE, em Março de 2022). Neste artigo exponho os acontecimentos que mais impacto tiveram no sector imobiliário em Portugal ao longo dos últimos 2 anos, procurando entender como este sector conseguiu chegar a este patamar, ultrapassando as diversas adversidades.
“O valor a que os bancos avaliam os imóveis para efeitos de concessão de crédito à habitação voltou a subir em março, pelo sétimo mês consecutivo, batendo um novo recorde. (…) É o valor mais alto de sempre e corresponde a uma subida de 17 euros face a fevereiro”
Jornal online ECO
Impacto da Pandemia nas avaliações imobiliárias
Muitos de nós, incluindo os peritos avaliadores de imóveis e outros profissionais do ramo, julgávamos que a Pandemia de Covid 19 iria afectar negativamente o mercado imobiliário. Receámos que uma crise económica generalizada pudesse ter consequências no número de transações efectuadas e no valor das avaliações imobiliárias, levando a um abrandamento de todo este sector. Contudo, contrariando as opiniões mais pessimistas, o mercado imobiliário mostrou-se muito resistente e com tendência de crescimento, atingindo-se recentemente um novo recorde nas avaliações imobiliárias.
Impactos e reações no mercado Premium
No que a Lisboa diz respeito, senti algum impacto inicial da Pandemia, principalmente na gama de imóveis “Premium”. Os clientes compradores, maioritariamente estrangeiros, viram-se impedidos de viajar devido ao fecho de fronteiras e mostraram alguma relutância em fazer o negócio sem uma visita presencial.
Todavia, verificou-se que o sector rapidamente se ajustou às novas condições. As visitas virtuais/online, que já eram utilizadas por alguns mediadores imobiliários, passaram a ser generalizadas. Aos poucos, os clientes compradores estrangeiros foram-se familiarizando com esta nova modalidade de visita. Confiantes no mercado imobiliário de Lisboa (quer devido a negócios anteriores bem sucedidos, a experiências de amigos/conhecidos ou aos favoráveis indicadores e notícias do sector), foram-se adaptando à compra de imóveis à distância. Os mais cépticos, optaram por iniciar o negócio à distância, mas esperar pela abertura de fronteiras para poder viajar, visitar o imóvel e fechar o negócio.
Assim, após este pequeno período de alguma acalmia no sector Premium, o mercado imobiliário rapidamente se adaptou. Não só recuperou, como superou os indicadores anteriores à Pandemia, levando a um novo recorde nas avaliações imobiliárias.
Imóveis residenciais com espaços exteriores valorizados com a Pandemia
No sector residencial e essencialmente nos mercados citadinos (como na Grande Lisboa), sentiu-se mesmo que foi a própria Pandemia a criar a necessidade de algumas transações. Muitos foram os casos de famílias que, sob a obrigatoriedade de teletrabalho e com as crianças em aulas online, perceberam que necessitavam de uma casa com maior área, melhor nível de conforto, zonas sociais mais amplas ou uma assoalhada extra. Houve também a significativa valorização dos imóveis com espaços exteriores (varandas, terraços, logradouros), resultado do sentimento de “claustrofobia” a que as pessoas foram sujeitas durante os confinamentos/isolamentos. A procura por moradias e apartamentos com espaços exteriores disparou em Lisboa e a relação oferta/procura contribuiu para o novo recorde nas avaliações imobiliárias.
A guerra na Ucrânia e o impacto nas avaliações imobiliárias
Com o início da guerra da Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022, mais um desafio foi apresentado ao sector imobiliário. O impacto no valor dos combustíveis e dos cereais foi imediato e logo se propagou a todos os produtos. A inflação disparou, chegando aos 7,2% em Abril de 2022, em termos homólogos.
Caso a inflação continue a subir desta forma abrupta, poderá assistir-se ao aumento das taxas de juro na zona euro, por parte do Banco Central Europeu. Contudo, espera-se que a correção das taxas de juro seja ligeira e em pequenas doses progressivas, por se entender que uma variação brusca poderia ter consequências prejudiciais no atual contexto económico.
Evidentemente, o aumento das taxas de juro (seja suave ou abrupto) terá um impacto direto nos créditos com taxa variável, tanto para quem já tem um empréstimo como para quem o irá contratar no futuro. Este cenário de agravamento das condições do crédito (e eventual recessão económica) poderá levar a um abrandamento na procura imobiliária e, consequentemente, a uma redução do número de transações e dos valores das avaliações dos imóveis.
Todavia, a guerra começou há mais de 2 meses e não há ainda sinais de abrandamento… O mercado imobiliário mostra-se mais uma vez forte e resiliente! Embora o rumo desta situação seja ainda muito incerto, num primeiro impacto os sinais do mercado imobiliário são positivos. E mais uma vez, este sector adapta-se e reinventa-se. Há já bancos na Europa a alterar as suas estratégias e, antecipando um futuro aumento das taxas de juro, a melhorar as condições dos seus empréstimos com taxas variáveis.
Alteração nos prazos máximos do crédito habitação
Após a recomendação do Banco de Portugal, a 1 de Abril de 2022 entraram em vigor novos prazos máximos de pagamentos dos empréstimos consoante a idade dos titulares, com o objectivo de diminuir os riscos de incumprimento e proteger o sistema financeiro. Na prática, as maiores mudanças verificam-se para os maiores de 30 anos, que deixaram de conseguir crédito à habitação por 40 anos. Passando a ter menos anos para pagar o crédito, a prestação mensal aumenta.
Na minha actividade diária enquanto perita avaliadora de imóveis em Lisboa, senti um forte aumento no volume de trabalho nos meses que antecederam esta alteração às condições de crédito, como aliás era expectável, uma vez que a maioria dos compradores tem mais de 30 anos.
Parece-me evidente que esta alteração às condições de crédito terá tido um impacto substancial na procura imobiliária, no número de transações e, consequentemente (pela relação oferta/procura) no valor das avaliação imobiliária dos últimos meses. É certo que o sector tem mostrado bons indicadores, mas o crescimento de 23,5% do número de avaliações de imóveis para os bancos (em Março de 2022 face a Março de 2021), terá muito a ver com a corrida ao crédito antes da alteração dos prazos. Este aspecto não pode ser ignorado, sob pena de ser entrar num optimismo exagerado no que respeita o comportamento do imobiliário face às diversas adversidades económicas.
Reflexão – O que significa este recorde nas avaliações imobiliárias?
O facto de termos atingido um novo recorde nas avaliações imobiliárias não significa que o mercado seja imune aos recentes acontecimentos políticos e económicos. Devemos analisar cada um dos factores que contribuíram para chegarmos aqui e perceber que o peso positivo de uns poderá ter ocultado os efeitos negativos de outros.
Embora o mercado imobiliário português (e particularmente o mercado imobiliário de Lisboa) tenha já mostrado provas de ser resiliente e com tendência de valorização e crescimento, importa estarmos alerta aos eventuais sinais de abrandamento, por forma a que quem trabalha e investe neste sector saiba tomar medidas preventivas capazes de ultrapassar as dificuldades que possam surgir.
Pode ler o artigo completo em: https://eco.sapo.pt/2022/04/27/avaliacao-bancaria-sobe-para-novo-recorde-de-1-331-euros-por-metro-quadrado/


