Imobiliário em tempos de guerra

Nestes tempos conturbados em que nos deparamos com uma guerra na Europa e o consequente aumento da inflação, do custo de vida e das taxas de juro, várias são as notícias e estatísticas que reportam os valores surpreendentes das transações imobiliárias realizadas em Portugal no ano de 2022.

“Investimento imobiliário deverá chegar aos 3,4 mil milhões de euros em 2022, um máximo histórico.”

Fonte: Jornal online ECO, com base em dados da consultora Cushman & Wakefield – https://eco.sapo.pt/2022/10/18/imobiliario-espera-ano-recorde-mas-antecipa-descida-de-precos-no-mercado-comercial/

2022 – Máximo históricos em investimento imobiliário

De acordo com a consultora Cushman & Wakefield, entre Janeiro e Setembro de 2022 foram investidos em Portugal 1.656 milhões de euros em imobiliário, o que representa um aumento de 27% face a 2021. Espera-se que esse número possa atingir os 3.400 milhões em Dezembro, alcançando um máximo histórico. São números particularmente surpreendentes nestes tempos de incertezas e receios, marcados por uma guerra na Europa, com fortes repercussões na economia global.

Outro dado surpreendente é o de que o sector dos escritórios também atingiu máximos históricos no que respeita à área transacionada. Note-se que isto acontece num período pós-pandemia, em que se alterou o paradigma do trabalho, com a implementação em massa da modalidade de tele-trabalho. O que aparentemente seria uma dificuldade para o mercado de escritórios, até agora não se reflecte nas transações imobiliárias em 2022.

2022 – A falta de oferta na habitação

O ano de 2022 é também marcado por uma generalizada falta de oferta do mercado de habitação face aos níveis de procura, principalmente nos grandes centros urbanos, o que em muito contribuiu para o crescimento dos preços de venda, que se tornaram incomportáveis para muitas das famílias portuguesas.

Nos últimos anos, devido à facilidade no acesso ao crédito e a taxas de juro muito baixas, houve uma dinâmica sem precedentes no mercado imobiliário, que consumiu grande parte do stock de casas disponíveis.

Segundo um estudo do Idealista, o stock de casas à venda no país caiu 23% entre o terceiro trimestre de 2022 e o mesmo período de 2021 (ver notícia completa em https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2022/10/14/54486-oferta-de-casas-a-venda-em-portugal-desceu-23-num-ano).

Em Lisboa, onde desenvolvo grande parte do meu trabalho enquanto perita avaliadora de imóveis, a falta de oferta de habitação (que afecta essencialmente a classe média) estará relacionada com a alocação de muitos imóveis para o alojamento local, impulsionado por um sector turístico fervilhante e pelos fortes níveis de procura por parte de clientes estrangeiros, com maior poder de compra. Note-se que grande parte dos imóveis adquiridos por estrangeiros acabam por ser destinados a habitação secundária, tendo um uso residual.

Mas se há falta de habitação, porque não surgem mais empreendimentos no mercado? Um argumento comummente apresentado pelos promotores para justificarem a escassez de novos empreendimentos residenciais, prende-se com a dificuldade e morosidade de um processo de licenciamento na maioria dos municípios portugueses, o que leva a um “delay” entre o reconhecimento do problema e o surgimento de soluções.

2022 – Preços que teimam em não baixar

O imobiliário nacional tem mostrado uma resiliência notável, nomeadamente no que respeita ao preços de venda, perante um panorama económico pouco favorável: com taxas de juro, inflação e custo de vida a subir.

Com o início da guerra, naturalmente alguns investidores retraíram-se e adiaram ou cancelaram negócios. Todavia, dada a falta de stock no sector habitacional, o panorama imobiliário não sofreu significativas alterações em 2022.

E de facto em 2022 os valores da habitação continuaram a subir. Segundo dados do INE, o preço das casas subiu 13,2% entre o primeiro trimestre de 2022 e o período homólogo (ver notícia completa em: https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2022/09/22/54194-preco-das-casas-sobe-13-2-e-atinge-novo-maximo-historico).

2023 – O que esperar do imobiliário em Portugal?

Entre quem trabalha no sector, muito se especula sobre como se vão comportar os valores do imobiliário, se continuarão a subir, se começarão a descer, se continuam a subir mas a um ritmo mais lento… A verdade é que a própria incerteza sobre a duração e a dimensão desta guerra torna praticamente impossível prever cenários económicos e o seu impacto no sector imobiliário.

Entres os economistas, há quem tema uma recessão global, que poderá dar origem a uma bolha imobiliária em Portugal. Por sua vez, entre os mediadores imobiliários parece predominar um sentimento de optimismo, assente no facto de termos partido deste cenário de desequilíbrio entre oferta e procura.

Apesar da dificuldade do tema, num próximo artigo irei expor e comentar os principais argumentos das duas fações: os que defendem que surgirá uma crise imobiliária e os que defendem que o imobiliário português continuar a dar provas da sua resiliência.

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